Vermelha


Na porta de sua cozinha ela estava em pé, cabelos castanhos amarrados em rabo de cavalo, vestido cor de rosa, nos pés uma sandália também rosa, em seus braços uma boneca, mais que isso, uma companheira, linda, de cabelos loiros cacheados, com cheirinho de bebê, vestidinho azul e branco e que chorava de verdade, um barulho havia chamado sua atenção, crianças gritando animadas e o som do motor de um caminhão, de lá ela avistou o motivo de tanto alvoroço.

Homens de macacões azuis entregavam uma bicicleta, amarela, reluzente. O dono, mal cabia em si de tanta felicidade, suas bochechas estavam rosadas, ela então olhou para sua companheira e pensou: Agora somos só você e eu, e entrou. Sabia que acordara com sua mãe, ao explicar-lhe que não havia possibilidade de lhe dar uma bicicleta, que aceitara ganhar uma boneca, pois ela estaria dentro das possibilidades da família, fora pessoalmente escolhê-la e no momento em que a viu soube que seria aquela.

Os dias se passaram, sua casa tornara-se seu refúgio, deitada no sofá sempre com sua companheira, aos poucos perdera a vontade de comer, não queria brincar, os amigos a convidavam, mas ela rejeitava qualquer pedido, simplesmente não queria sair na rua e ver todos seus vizinhos com seus troféus, fazendo peripécias, rindo, não queria ver todas aquelas cores, todos aqueles modelos, simplesmente não tinha forças.

Começou a ter febre, sua mãe muito paciente cuidava dela, insistia para que saísse, mas nada a convencia do contrário, assim como sua febre, que não diminuía.

Um dia enquanto estava deitada, ouviu novamente um alvoroço na rua, mas não se interessou em ver o que estava acontecendo. Sua irmã entrou correndo, meio sem saber o que falar, muito agitada a tirou da sala. Ela não tinha o que comemorar e não entendia o que estava se passando, entrou no banheiro e lá ficou com sua companheira.

Após alguns minutos sua irmã retorna e pede para que ela vá até a rua. Relutante ela vai, caminha pela cozinha, móveis vermelhos, tudo vermelho, geladeira, fogão, armário, mesa, cadeiras, nunca entendera porque seus pais haviam decidido comprar móveis daquela cor, sobre a mesa um vaso com margaridas, colhidas do quintal de sua avó, caminhou então pela sala, um conjunto de sofás, uma estante e uma televisão preto e branco, passou pela porta e a viu, vermelha, brilhando, olhou para trás e encarou sua irmã que acenou com a cabeça: Vai, é tua.

Correu, sua boneca nos braços, olhou para todos os amigos que estavam na rua, para sua mãe, mulher forte, linda e com um imenso sorriso no rosto segurava sua preciosidade. Entregou sua companheira à pessoa mais próxima e a segurou, passou suas mãos pelo guidão, pelo banco negro, sentiu a textura e o cheiro dos pneus novinhos, vermelha, ela é vermelha.

Percebeu alguém atrás dela, sua irmã, pegou sua mão e ajudou-a a subir, colocou seus pés nos pedais e começou a empurrá-la pela rua de terra batida, seus amigos a acompanharam, ela perdia o equilíbrio, mas a irmã a sustentava, outras mão surgiram para auxiliá-la.

Uma tentativa, duas tentativas, na terceira tentativa ela aprendeu, se equilibrou e seguiu pedalando, seus cabelos longos, soltos, voavam impulsionados pelo vento, seus olhos brilhavam, seu desânimo passara, sua febre passara e o sorriso voltara ao seu rosto, baixou o olhar e ela estava lá, vermelha e linda.

Parou, olhou para trás sorrindo, simplesmente não conseguia parar de sorrir e lá estavam sua mãe e suas irmãs, de mãos dadas e sorrindo.

Olhou novamente para sua mãe, em seus braços a boneca.


"Dedicado a todas as pessoas que não medem esforços para ver uma criança sorrir"

Um comentário:

Edna Federico disse...

Muito lindo, Margarete!
Beijo