O abraço

  

 A sua frente o caminho de areia a convidava, passos impressos nos grãos espalhados por todos os lados lhe mostrava que muitas pessoas haviam passado por ali. Naquela hora da manhã, onde o sol acabara de nascer seguido dos cantos dos pássaros em sua homenagem ela parou, virou seu rosto para cima, observou as nuvens que pairavam sobre ela e fechou seu olhos. Os pés descalços em contato com a Mãe Terra, em suas mãos as sandálias que acabara de tirar e em seu corpo um biquíni azul coberto por um vestido branco de algodão. Os cabelos longos soltos balançando ao vento.

  Segundos, minutos, horas se passaram, não importava contar o tempo em que ficara ali sentindo o calor do sol a acariciar seu rosto, tampouco contar as vezes que sentiu o vento levantar seus cabelos.

 Abriu os olhos e caminhou decidida, a brisa do mar trazia um gosto salgado para os seus lábios entreabertos. As ondas batendo contra a areia cantarolavam para ela, como uma evocação ao reencontro.

  Na praia apenas alguns pescadores puxavam suas canoas após terem retornado do mar com sua pescaria, troncos rolavam por baixo de suas pequenas fontes de sustento e lentamente os levavam para um local seguro.

   Sentou-se, cruzou as pernas e ficou observando o movimento constante da água, tirou o vestido branco e fez uma prece silenciosa. Agradeceu por mais um dia de vida, por possuir a visão e poder ver plenamente o esplendor da natureza a sua frente, por poder tocar a areia fina sob seu corpo, por sentir o abraço do aroma da maresia e o gosto salgado do mar e por poder ouvir a cantiga carinhosa que lhe chegava aos ouvidos. Agradeceu por ter a oportunidade de retornar a esse lugar, apesar de ter ciência de tudo que tivera que passar para conseguir finalmente chegar ao ponto em que se achava.

   O mesmo mar, a mesma natureza que hoje lhe dava as boas vindas, havia tirado tudo o que ela tinha de mais precioso na vida. Como uma borracha que apaga uma letra em um caderno ela viu sua vida ser engolida por uma camada densa e grudenta e da qual ela lutou com todas as forças para se livrar, mas quanto mais força ela fazia, maior era seu abraço escuro.

   Mas hoje, depois de muita luta, ela havia vencido a escuridão. Decidira caminhar. Um passo de cada vez por um caminho sinuoso, solitário, dolorido, cheio de obstáculos, o que a obrigou a desviar muitas vezes, mas não hoje... hoje ela estava ali de corpo e alma.

   Levantou e correu de braços abertos, sentiu o mar lhe tocar os pés e não parou, continuou correndo, as ondas batiam em suas pernas espalhando águas para todos os lados e ela continuou até o ponto em que a força das águas sobre as suas pernas a impendiam de ir mais rápido. Então respirou fundo, segurou o ar em seus pulmões, lançou seus braços para frente e mergulhou. Envolta pelo mar soltou todo o ar que havia inspirado e gritou.

- Pai, eu te amo. Ontem, hoje e sempre.


  Voltou para a superfície, abriu os braços e ficou ali. Segundos, minutos, horas, não importava. O que ela queria era ficar ali, sentindo-se abraçada e recebendo o carinho daquele que tinha sido tirado de sua vida, mas que guiara seus passos até ali.

Amor em pó


- Moço quanto está o quilo?
- Quilo do quê?
- De amor em pó.
- Ih, está em falta minha senhora...

Se o amor pudesse ser medido em metros, peso, dúzia, etc... seria fácil. Poderíamos comprar, presentear alguém ou até emprestar por tempo determinado... “Você me empresta aquele saquinho de amor que você comprou? Semana que vem eu devolvo!” e se a pessoa não devolvesse, poderíamos comprar mais um pouco.
Já imaginou dar uma caixinha de amor a alguém? Aquela pessoa que está precisando e muitas vezes nem percebe que o que está faltando em sua vida é uma pitada de amor. Amor próprio, daqueles concentrados – tipo produto de limpeza, que se dilui uma tampinha em um balde cheio de água – e que ao tocar, abraçar, beijar e sorrir, se espalha pelo ar como uma leve brisa cor de violeta, correndo em ondas e envolvendo todos ao seu redor.

- Acho melhor a senhora procurar na banca do Seu Romeu, lá ele tinha amor em metros. Dá mais trabalho para carregar, custa mais caro, mas vale a pena. Amor é amor, né?!

Sombras


Fiquei aqui perdida em pensamentos - acho que é o único lugar onde me sinto inteira e sem medo do que está adiante - e então me veio à memória uma conversa que tivemos, em uma época em que uma troca de olhares significava muito. Não, significava tudo!

Eu respirando você, meu rosto encostado em seu peito, seu cheiro entrando por minhas narinas, cheiro de terra e doce de leite, consegue perceber? E então quis saber como você conseguia me aturar, uma pessoa tão cheia de defeitos, vulnerável, volátil, mal humorada, que fala e ri alto demais e então você respondeu, me olhando nos olhos:

- Por que você me faz querer ser uma pessoa melhor e eu te amo exatamente por você ser quem você é!

Sinto vontade de saber então por que você fugiu de mim, será que perdi o brilho que te tirava da escuridão, ou finalmente meus defeitos suplantaram minhas qualidades?

De qualquer forma, não tenho para onde ir. Onde quer que eu vá ou o que quer que eu faça, será apenas uma fração do que eu fui um dia, pois desde o momento em que você se foi, parte de mim se trancou nas sombras.

Fim


Eu queria acreditar que tudo aquilo era passageiro, ou melhor, apenas um pesadelo e no instante em que eu acordasse, suando, tremendo e com a respiração acelerada eu simplesmente olharia para o lado e veria você dormindo tranquilamente, me lembrando que era apenas um sonho ruim, mas não. 

A verdade estava ali diante de mim e nada parecia mudar sua decisão. Meus olhos mareados, minhas súplicas... nada.

Você, inflexível, dirigiu-se até a porta e se foi, sem nem mesmo olhar uma última vez para trás. Talvez uma última olhada fizesse você desistir daquela decisão, mas não.

Sem mais palavras eu te vi saindo e levando um pedaço de mim, não – levando tudo o que eu tinha - porque você era meu tudo, meu eixo, minha razão.

Eu queria gritar, abri a boca e um eco silencioso permaneceu no ar.

Eu queria correr atrás de você, mas meus pés estavam pregados ao chão.

Eu queria que você visse o meu desespero.... mas não.

Você se foi.

O que sobrou de mim ficou, um amontoado de sentimentos jogado no canto da sala. 

Esperando....

Brasil, mostra a tua cara!


Estou cansada de ver no noticiário que pessoas estão morrendo na mão de bandidos, pessoas sem o mínimo de escrúpulos e fico tentando encontrar uma explicação para isso.
 Aqui, as pessoas riem mais, são mais solidárias, mais felizes, não tem terríveis desastres naturais, nem clima extremo – não é o que dizem? - mas o que então está acontecendo com nossa sociedade?
Seria culpa dos pais, que tem que ficar fora de casa durante todo o dia e não tem tempo para educar devidamente seus filhos? 
Ou seria dos pais negligentes que atribuem a responsabilidade de educar seus filhos aos professores? 
Ou dos professores que apesar de receberem seus salários ínfimos, buscam todos os dias levar conhecimento às pequenas cabeças pensantes? 
Ou da educação continuada, que beneficia os preguiçosos e tira o ânimo dos que se empenham? 
Ou seria da lei que diz que o menor que mata, é um menor infrator. Essa mesma lei que é incapaz de impedir que dois irmãos sejam assassinados por quem deveria amá-los e protegê-los e serem descartados em sacos de lixo? 
Seria da polícia, que não tem a capacidade - ou a vontade - de solucionar a maioria dos crimes cometidos? 
Seria talvez dos eleitores, que sempre votam nos mesmos, apesar de reclamarem que nada muda, nunca? 
Seria então das pessoas dispostas a fechar os olhos, em troco de um montante em dinheiro? Seria a falta de amor ao próximo? 
Ou o amor em excesso, que cega uma mãe e não lhe permite impor limites aos seus filhos? Ou seria o extrema desigualdade social? 
Não, acho que a culpa é minha, que ao invés de estar sentada na sala assistindo a sessão da tarde, estou aqui escrevendo esse monte de asneiras. É... com certeza é isso!!