Hoje

Hoje vou sair por aí. Vou colocar meu sapato favorito - aquele confortável, baixinho e que me acompanha nos dias de preguiça. Vou pegar meu jeans velho, bem surrado e que já tem a forma de meu corpo. Vou vestir minha camiseta branca, onde se lê “LOVE”. Nos cabelos um rabo de cavalo. Nos lábios um gloss apenas. O celular ficará em “off” o tempo todo. Vou caminhar pelas ruas, olhar para as pessoas distraídas em seus pensamentos, desviar das calçadas esburacadas, dos cachorros mal encarados. Vou observar cada árvore que estiver em meu caminho e procurar pela sombra que ela proporciona. Vou olhar para o céu a procura de vida. Vou retribuir um sorriso, aliás, vou sorrir para tudo e todos. Porque hoje ninguém me segura.

Recomeço

E então já cansado, olha para trás e observa o que passou. Já não pode voltar. Tampouco mudar. Passado, esse é o verbo. Volta seu olhar para o que está por vir. Nebuloso, escuridão e sombras. Não consegue distinguir, não consegue precisar. Mas sabe que precisa continuar. Curvado com o peso dos anos, das decisões erradas, das palavras não ditas e daquelas que deveriam ficar nas entranhas de seu ser, ele tem que continuar. Mesmo sem querer, o próximo passo precisa ser dado. Levanta seu pé direito, descalço e decidido, lança-se na escuridão. Mas, o pé não encontra apoio e entre a surpresa e a constatação, fecha os olhos. É chegado o fim. E ele cai, nas sombras sente seu corpo no ar, caindo e caindo. Não encosta em nada, não sente nada, apenas o hálito gélido da sombra nebulosa de seu futuro a soprar-lhe o rosto. De repente encontra o chão. Permanece lá, imóvel, olhos fixos em algum lugar que ficou para trás. Estirado no seu destino, não sente mais aquele hálito que o acompanhou em sua vertiginosa descida, mas sim uma brisa quente a soprar-lhe a face, cheiro de terra recém molhada, e longe, muito longe dali, consegue distinguir o som de água a correr. Entre a vontade de ficar onde está e se entregar por completo, sem entender o que aconteceu e porque ainda está a respirar, sente sede. Parece-lhe que nem toda a água do mundo poderá saciar-lhe. E com um suspiro, levanta-se lentamente. O peso que antes carregava agora aliado às dores da queda fazem com que se arqueie ainda mais. Primeiro um pé, depois o outro, arrastando-se pelo que se poderia descrever de chão de terra batida, ele tenta se locomover. Mais adiante uma luz começa a surgir no céu, antes enegrecido. E com os primeiros raios de sol ele segue adiante, em busca daquilo que pode mudar seu estado de torpor, esperando que em companhia ao sol venha também a certeza de um recomeço.