A casa amarela



Era quase um ritual. Prendia o cabelo, colocava suas sandálias, pegava sua sacola, a carteira e saía. Trancava a porta, o portão e caminhava pela rua.


Ao chegar à padaria:

- Dois pãezinhos, por favor.

Ela era sozinha, mas sempre comprava dois pãezinhos para o caso de aparecer alguém sem avisar. O armário bem o sabia, ninguém aparecia e os pães se acumulavam.

Para voltar, fazia outro caminho, mais longo para se exercitar um pouquinho.

No caminho tinha uma casa, “a casa amarela”, era assim que ela a chamava. Havia algum tempo que estava vazia e ela se entristecia. Lembrava-se perfeitamente do pequeno jardim, com lindos lírios amarelos, da janela pintada de azul e da antiga cadeira também pintada de azul na pequena varanda e sentado nela, o Sr. Júlio. Um velhinho muito simpático que ficava observando o tempo passar e quando a via a cumprimentava com um aceno e um grande sorriso no rosto.

Nunca conversavam, só acenavam um para o outro, mas esse era o melhor momento da tarde.

Agora, a casa estava vazia. As flores secaram com a falta de cuidados e a cadeira já não estava mais lá. E o aceno... ah o aceno.... o sorriso sincero... ah como fazia falta, e ela sabia que ao virar a esquina ela olharia para a casa e uma pontada de tristeza se apoderaria de seu coração. Mesmo sentido falta do sorriso largo, ela fazia o mesmo trajeto todos os dias, ela devia isso a ele.

Dobrou a esquina decidida e não olhar para a casa, já era tempo de se desvencilhar do passado. A passos largos passou em frente a casa sem virar o rosto, mas algo chamou-lhe a atenção. Um objeto branco vinha em sua direção. Ainda sem querer se virar para ver do que se tratava, foi atingida, perdeu um pouco o equilíbrio e quase se estatelou no chão.

Ainda sem entender o que tinha acontecido, olhou para a casa e avistou um menino correndo.

- Minha bola, minha bola....

Ah... uma bola. Tinha sido atingida por uma bola, que rolou e parou no meio-fio, entre a calçada e o pneu de um caminhão, que até então ela não tinha percebido ali, tal era sua obstinação em não olhar para a casa que não reparou em nada. Não reparou na mobília espalhada pelo jardim, na bicicleta apoiada no portão, nem no menino que estava se divertindo.

Abaixou-se e pegou a bola. Entregou para o menino, que lhe retribuiu com um belo sorriso no rosto.

- Obrigado.

Ali, o sorriso ela reencontrou.

- De nada. Qual é o seu nome?

- Julinho.

Um comentário:

2edoissao5 disse...

como ser só sem ficar solitário?